Nos últimos dias tenho ouvido falar imenso de Maria Barros, a aluna que depois de não entrar na faculdade de medicina por 3 décimas decidiu enviar uma carta aberta ao senhor Presidente da República. Li a tal carta, os comentários no facebook a apoiar a rapariga e outros nem tanto, li textos de imensas pessoas a mostrar o seu ponto de vista e até mesmo o bastonário da ordem dos médicos se decidiu pronunciar sobre o tema.
A verdade, é que eu também já fui a Maria Barros. No ano passado, não entrei em medicina dentária por 4 décimas e este ano medicina também não me ficou muito longe, (contudo, já não era o que realmente queria). Sei o que é receber um e-mail a dizer não colocado, sei o quão agridoces são as horas seguintes. Sentir que todo o trabalho que tivemos não foi recompensado e vemos o chão ser-nos arrancado em meros segundos. Ficamos sem saber qual é o próximo passo a dar, pois a revolta interior é tão grande que achamos que o universo conspira contra nós.
Existem certos pontos que para mim eram compreensíveis, como por exemplo, o porquê de não se aumentar o número de vagas. Sei as condições em que alguns dos nossos jovens médicos estão a ser treinados, com vários estagiários para apenas um médico, o caso dos médicos indiferenciados e a má distribuição de profissionais. Aumentar as vagas apenas traria mais caos ao SNS e ao ensino superior do que melhorias.
A diferença entre mim e a Maria é que percebi que não vale a pena desistir. É óbvio, e estaria a mentir se dissesse o contrário, também eu pensei em estudar no estrangeiro. Espanha, Irlanda, República Checa e Canadá foram alguns dos países que me passaram pela cabeça. Mas, nenhum deles era Portugal. Sim, o país podia não me ter dado a oportunidade, mas eu não desisti dele. Tenho a sorte de viver num país onde o ensino superior é "acessível" e de boa qualidade, caso contrário não seríamos reconhecidos lá fora da maneira que somos. Eu decidi parar um ano e tentar melhorar as minhas provas de ingresso, porque se os outros conseguiam ter aquelas notas eu também teria de conseguir e iria lutar para isso.
Na realidade, Maria, não foi Portugal que desistiu de ti. És tu quem está a desistir de Portugal. És tu que não te estás a lembrar que com 18 anos temos uma longa vida pela frente e não dás mais uma oportunidade a ti mesma. Preferes um caminho mais fácil e ir para um sítio onde te reconhecem agora, eu entendo. Contudo, fui ensinado que muitas vezes o caminho mais difícil e trabalhoso é aquele que nos trará mais felicidade e reconhecimento. No meu caso, depois de ter parado um ano percebi que a minha vida já não seria num hospital, já não queria isso para mim. Talvez não entrar fosse um sinal para pensar melhor e é com muito orgulho que hoje digo que sou estudante Relações Internacionais do ISCSP.
Eu não desisti do meu país e tu, Maria, vais desistir à primeira?
Tal como para milhares de jovens em todo o país, as últimas três semana têm sido uma loucura para mim. Matrículas na faculdade, semana de praxe intensiva, voltar a uma sala de aulas e estudar foram algumas das coisas que marcaram estes últimos tempos. Tal como tinha dito anteriormente, voltar a sentar-me numa sala de aula e ganhar umarotina de estudo tem sido algo que acaba por me obrigar a um esforço redobrado. Não seria de esperar o contrário depois de “gap year” cheio de emoção. Contudo, aquilo que me leva a escrever-vos hoje é algo que nos dias de hoje vejo ser atacado e mal visto por culpa de meia dúzia de pessoas, a praxe.
Chegamos a esta altura do ano e, desde há uns anos para cá, todos se tornam “experts” nesta matéria. Pouco importa a sua experiência em relação a este “ritual” académico, muitos dos que o comentam nunca passaram por essa experiência sequer. Vista de fora, muitos têm a impressão que apenas se trata de um bando de jovens trajados a gritar com outro bando de jovens, onde esforço físico, cânticos e jogos são uma maneira de “humilhar” os que ocupam os níveis mais baixos da hierarquia. Na realidade, a praxe não é uma forma de humilhação de forma alguma. No meu ponto de vista, a praxe não passa de uma metáfora exagerada do mundo do trabalho. Qualquer um de nós pode ter um chefe que nos faça “olhar para o chão”, mostre a sua superioridade e nos grite as suas ordens, “penalizando-nos” por não as cumprirmos. E ninguém questiona a autoridade desses chefes.
Primeira coisa a esclarecer, ninguém é obrigado a ir à praxe. Vai apenas quem quer e se sente bem em lá estar. A qualquer momento, é possível abandonar a praxe, sem qualquer consequência para ela. Ninguém é posto de parte porque não foi ou desistiu da praxe, pelo menos na minha faculdade. Segunda coisa, se houver alguma coisa que não queiras fazer ninguém te vai obrigar. Não tens de fazer nada que não gostes.
Quem por lá fica, e repito, voluntariamente é sujeito a algo que tornará o seu percurso académico algo ainda mais especial. Sim, é verdade que passei horas a olhar para o chão enquanto alguém gritava connosco. Sim, é verdade que ao fim do quarto dia já havia dores nos braços e feridas nos joelhos de tantas flexões e "granadas”. Durante uma semana acordei às 6:40 da amanhã e cheguei às 20 horas a casa completamente morto e sem voz contudo, com um sentimento de felicidade incrível. Todavia, a praxe não é só gritar e fazer flexões, há actividades solidárias que muitas vezes se realizam. Apesar de ser um cliché sobre as praxes, estas são mesmo uma das melhores maneiras de integração possível. Ao fim do segundo dia já tinha feito amigos que tenho a certeza que me acompanharam nos próximos anos. Os momentos de diversão, brincadeira, risos e parvoíces misturados com os ensinamentos, a entreajuda e respeito tornam a praxe um momento único da vida de qualquer caloiro.
Existem dois valores inerentes a este “ritual”, respeito e união. Na praxe aprendemos a dizer obrigado através de um simples jogo, a respeitar os mais velhos e aqueles que estão acima de nós, aprendemos que somos uma família e se um faz asneira todos pagamos. Percebemos que, não só na praxe mas também na vida, não estamos sozinhos no mundo, precisamos da ajuda dos que nos rodeiam, assim como eles precisam da nossa.
A comunicação social tem dado às praxes uma imagem de bicho papão, apenas porque meia dúzia de “gatos pingados” não sabem o que estão a fazer, nem os limites do bom senso. São esses “pseudo-doutores” do nada que difamam a imagem de uma das actividades culturais mais importantes no meio universitário. Muitos dos caloiros, quando se deparam com o que na realidade são as praxes, ficam incrédulos com aquilo que é dito por aí, pois a experiência que têm é tão boa e tão incrível.
Não posso deixar de agradecer a todos os doutores, mestres e veteranos que fazem parte da minha praxe. A preocupação que têm connosco, a amizade que demonstram e a dedicação que colocam em cada minuto para nos fazerem crescer como pessoas e como uma família.
Se há um ano que me vou lembrar para sempre, será o ano em que fui caloiro e disso não tenho a menor dúvida.
( Um agradecimento especial à Doutora inês Colaço Fernandes pela reportagem fotografica da semana de praxe do curso de RI do ISCSP, bem como pela cedência das mesmas para esta publicação)
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Loís Carvalho, 21 anos, Mundo. Existe um sem fim de sítios onde ir, pessoas por conhecer, vidas para viver, sonhos para alcançar, mundos por descobrir.