Há cerca de um ano atrás, escrevi um texto para a Uniarea intitulado “Um Caloiro Sem Curso”. Foi assim que me auto-intitulei quando recebi a notícia que não tinha entrado na faculdade. Neste momento, já não vos escrevo como “caloiro sem curso”, nem como gapper, infelizmente. Passou um ano. Na realidade, sinto que não foi um ano, foram apenas algumas semanas talvez. O tempo passou tão rápido ou terei sido eu a passar rápido de mais por ele?
Fazer um Gap Year foi das melhores decisões que pude tomar. Mudei-me de uma pequena vila esquecida na beira serra para a grande confusão da capital, deixei os cadernos e as canetas e fui trabalhar. Tomei conta de mim e do meu dinheiro, pois começou a ser o dinheiro que saía do meu esforço. Tive horários loucos, deixei velhos amigos e coleccionei alguns novos. Dancei, saltei, ri, chorei algumas vezes, lidei com situações que nunca pensei que seriam possíveis. Cometi algumas loucuras, viajei, conheci novos sítios, tantas novas pessoas se cruzaram no meu caminho e aprendi tanto com elas.
Decidir parar um ano e ver todos os outros seguir em frente não é uma decisão nada fácil, apenas os mais audazes e corajosos são capazes de a tomar. Muitos chamam-nos de preguiçosos e desleixados contudo, não vêem que na verdade são eles os que não tomaram riscos. Não é um ano apenas de diversão, viajem e sorrisos. É muitas vezes um ano solitário, com algum choro e tristeza. É um ano de aprendizagem no mundo real, algo impossível de aprender em qualquer faculdade. Muitos, eu incluído, chamam-lhe “Faculdade da Vida”, porque é isso que a vida é, um conjunto de aprendizagens. Nunca me ouviram dizer que perdi um ano da minha vida. Na realidade, eu ganhei um ano da minha vida para me conhecer, saber o que quero e perceber como o mundo funciona.
Existem tantas pessoas a quem eu devia agradecer por tudo o que fizeram por mim durante o meu ano de aprendizagem contudo, há uma que merece um agradecimento muito especial. O meu padrinho. Foi a pessoa que de início me apoiou e acolheu em sua casa quando decidi que queria vir para Lisboa. Foi ele que me arranjou o meu primeiro trabalho, que me deu a conhecer esta incrível cidade, que me deu os melhores conselhos durante este ano, me deu na cabeça quando precisava. Foi com ele que cometi algumas loucuras, foi ele que me apresentou pessoas que vou levar para a vida, foi ele que me disse as palavras certas quando eu precisava de as ouvir. Porque, quem tem um Almeida, terá sempre tudo!
Depois de um ano fora de uma sala de aula e de tanto trabalho e viagens, voltar a sentar-me numa mesa e estudar vai ser, decerto, a coisa mais estranha do mundo. Primeira coisa a esclarecer, um gap year altera a nossa maneira de ver o mundo e alquilo que realmente queremos para nós. Apesar de sempre ter querido entrar medicina, e de ter concorrido este ano, por aquilo que achamos queremos não é aquilo que realmente nos fará felizes. Sim, candidatei-me a medicina. Não, não queria entrar porque no meu pensamento eu sabia que já não era aquele miúdo que fez tudo certinho com notas muito boas e que quer ficar num hospital a trabalhar o resto da vida. Percebi que esse miúdo cresceu, cresceu e vê o mundo como algo incrível e cheio de desafios. E, por mais oposto que seja, o rapaz, que um dia sonhou ser médico mas a vida deu-lhe um ano mais para pensar, tornou-se caloiro de Relações Internacionais no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa.
A pergunta que mais vezes me fizeram nos últimos tempos quando falo do InterRail foi “Não tens/tiveste medo?”. O facto de ter viajado sozinho pela europa, sem um rumo propriamente traçado, sem nada planeado, apenas eu, o Sapo e uma mochila às costas espantou muitos dos que se cruzaram no meu caminho, tanto em viagem, como já em Portugal. Viajar sozinhos faz-nos entender muita coisa sobre nós próprio, o mundo e as pessoas que nele habitam. E por isso, esta publicação vai ser dedicada às coisas que aprendi nesta minha aventura europeia.
Quase nunca estás sozinho
Começando por desconstruir o mito número um de viajar sozinho, a verdade é que só estás sozinho quando realmente o desejas. Existe centenas de pessoas, para não dizer milhares, a viajar sozinhos e no mesmo sitio que tu. Quer sejam turistas ou locais, há sempre alguém com quem vais meter conversa e se vai tornar teu amigo durante algumas horas ou dias. Por vezes, acabas mesmo por conhecer uma cidade ou apenas beber uma cerveja num parque algures na companhia de um estranho, que deixou de ser assim tão estranho. Tive muitos momentos de solidão na nesta minha viagem, principalmente na parte das viagens de comboio por incrível que pareça contudo, guardo recordações de pessoas dos quatro cantos da europa e do mundo. Desde duas irmãs americanas, a um neo-zelândes, passando por coreanos, japoneses, tailandeses, indianos, canadianos, polacos, franceses, belgas, húngaros, checos, alemães, espanhóis e mexicanos. Não foi uma viagem pela Europa, foi um pouco pelo mundo também.
Não há zona de conforto
A ideia de zona de conforto que temos no nosso cantinho sossegados deixa de existir. Na realidade, a nossa zona de conforto torna-se tão grande que não percebemos que esta já não existe. Ao viajar sozinhos apercebemo-nos que somos capazes de fazer mais do que aquilo que realmente achávamos, principalmente se não levarmos nada programado. Saber que não há “ninguém” que te possa ajudar porque estás sozinho, torna-te mais responsável, atento e perspicaz. Gerires o orçamento da viagem, marcar dormidas, saber onde tens de ir, acabam por ser tarefas que te ensinam pequenos truques para a vida.
Afinal ainda há fé na humanidade
Muitas vezes achamos que o mundo está perdido, que apenas existem pessoas más e terríveis. E por vezes a vida encarrega-se de nos dar uma “lambada” e ensinar-nos que não é bem assim. É fácil encontrar pessoas que te queiram ajudar quando estás sozinho. É óbvio que algumas podem não ter as melhores intenções contudo, tens de aprender a perceber se podes confiar nelas ou não. No caminho para Cracóvia conheci um rapaz de Cracóvia que me levou da estação ao hostel onde iria ficar. Quanddo no fim queria pagar-lhe alguma coisa, tipo um café ou assim, apenas me respondeu “Não é preciso, apenas quero que as pessoas tenham uma boa ideia dos polacos”. Por vezes apenas temos de dar uma chance para o mundo nos surpreender.
Segue o teu instinto
Não planeies, não reserves com meses de antecedência, não entres em pânico, simplesmente liga o “descomplicometro” e aproveita. Se aquele bar não parece seguro, não vás. Se a achas a rua demasiado escura, procura outra. Aquela pessoa não parece de confiança, encontra outro alguém. Por vezes o instinto é o nosso melhor amigo.
Vai onde queres e não olhes para onde não queres
Uma das coisas que adorei nesta viagem foi o facto de ter o poder de decidir o que quero fazer. Estar apenas dependente de nós e dos nossos gostos torna a viagem muito mais interessante. Ninguém se vai queixar se quiseres ficar duas horas a olhar para um quadro num museu, nem se quiseres ficar sentado a ver o pôr-do-sol ou mesmo se quiseres estar um final de tarde num qualquer parque de uma cidade, deitado na relva a ler um livro. O tempo é teu amigo e tu és dono dele. Faz aquilo que mais te dá prazer e aproveita cada segundo.
Liberdade
Muitos pensamos que vivemos uma vida livre mas, quando olhamos à nossa volta, percebemos que na realidade vivemos aquilo que esperam de nós. Viajar sozinho vai relembrar-te que tu tens na tua mão os caminhos que queres seguir. Ninguém pode decidir por ti e a essa prisão de expectativas em que vives tem uma chave, apenas tens de olhar para o teu próprio bolso e abrir a porta.
Age como um local
A verdade é que as pessoas só vão saber que és um turista se tu quiseres. Este foi um conselho que duas amigas americanas que conheci em Paris me deram. Não estás num grupo com guia, não precisas de andar sempre de mapa em punho, na realidade tens tudo para ser mais um na multidão. Não te atrapalhes, confia em ti, as pessoas só vão perceber quando tu falares inglês em vez da língua local. Em quase todos os países por onde passei tive esta experiencia e acreditem que nos torna mais felizes.
Simplesmente aproveita
Podes ser quem tu quiseres durante a viajem, ninguém que te importe te poderá julgar. Aproveita cada segundo, cada sorriso, cada paisagem, cada rio, cada palácio, cada museu, cada pessoa que se cruza contigo, cada vez que te perdes numa cidade, cada beijo, cada noite e cada dia. Simplesmente aproveita-te. Aproveita para te conhecer e para perceberes o teu lugar no mundo. No fim, mesmo de depois de queres desistir ao 3º dia ou de te teres sentido sozinho um milhão de vezes, vais querer repetir a experiência que a solidão te trouxe. Vais querer sair à rua, numa cidade completamente estranha, com os fones nos ouvidos a ouvir aquela música que é tua naquele momento e vais largar um sorriso sem te aperceberes. Porque na realidade, estás a sentir que a vida finalmente te está a dar um verdadeiro momento só teu. Vais te sentir, (e desculpem a quote), infinito.
Entre Cracóvia e Budapeste há uma pequena cidade na qual vale a pena descer do comboio para passar algumas horas. Apesar do seu tamanho é a capital do país onde se encontra. Falo de Bratislava, na Eslováquia. Não é uma cidade onde, na minha opinião, vale a pena passar mais que uma manhã ou um dia. Cheia de estátuas, igrejas, praças, terminando nas margens do Danúbio, é em tudo muito semelhante a Praga, na vizinha República Checa. Foram as águas do Danúbio que acabaram por me acompanhar na viagem de cerca de três horas que separa Budapeste de Bratislava.
Budapeste foi a derradeira, a última paragem desta minha aventura pelo continente europeu. Na verdade não podia ter escolhido melhor. Se há algum tempo atrás diziam que Amesterdão era a Meca dos InteRails, Budapeste está a tomar de assalto esse lugar. É uma cidade que conjuga a história e a cultura, com uma vida nocturna e animação indiscritíveis. Diria que um pouco como a nossa Lisboa, na realidade. Há sítios únicos neste diamante em bruto do leste europeu, como o Castelo de Buda, a Citadela e a sua vista de Peste, o Parlamento, o grande mercado, a ópera e a Praça do Heróis.
As próprias ruas contam-nos a história de uma cidade imperial, que os tempos se encarregaram de enriquecer. A quantidade pontes que unem os dois lados desta cidade tornam-na ainda mais incrível, especialmente quando a noite a conquista. Não há nada como um final de tarde na margem do Danúbio, do lado Buda, em frente ao Parlamento. O sol esconde-se, a escuridão sobe e as luzes acendem-se. Uma nova cidade ganha vida nesse momento. As pontes iluminadas, o Castelo, o Parlamento e o Danúbio tornam o ambiente mágico. Mas não é só aqui que a magia acontece durante a noite. A cidade está cheia de vida e turistas, existem bares em todas as esquinas. Por isso, animação não falta na cidade.
Budapeste é também conhecida pelas suas termas e, como este era o fim da linha para mim, tinha de as aproveitar. O meu último dia foi passado nos banhos termais Széchenyi. Três piscinas exteriores, uma delas a 38ºC todo ano, e sei lé eu quantas interiores com temperaturas entre os 18ºC e os 40ºC. Saunas, banhos turcos, massagens, spa, restaurante e muitos turistas tornam o ambiente destes banhos algo ótimo para um dia de relaxamento. Foi um dia muito bem passado e de muito descanso depois de duas semana a correr a Europa de Oeste a Este.
A verdade é que me apaixonei por uma cidade que antes tinha dito não querer ter muito interesse em conhecer. Foi quase um amor à primeira vista, houve uma sensação estranho no momento que cheguei à estação de Budapeste. Uma sensação de felicidade que mais tarde se comprovou. As pessoas, a vida, a agitação, a história, o ambiente da cidade e os banhos tornaram-na na melhor escolha para terminar esta minha aventura europeia.
About me
Loís Carvalho, 21 anos, Mundo. Existe um sem fim de sítios onde ir, pessoas por conhecer, vidas para viver, sonhos para alcançar, mundos por descobrir.